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Soul da Periferia - Conheça Robert Frank e a Banda Pelos

28 de março de 2024
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5m
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Banda Pelos | 1º Prêmio da Música
E hoje trazemos para o blog do Energia da Cultura uma entrevista exclusiva com Robert Frank, vocalista da banda Pelos, uma verdadeira referência na cena musical de Belo Horizonte. Desde sua origem em 1999, no Aglomerado da Serra, a banda Pelos tem sido uma voz poderosa que ecoa as experiências e lutas das comunidades periféricas.

Com uma trajetória marcada por uma fusão única de rock com influências do soul, funk, jazz, afrobeat e blues, Robert Frank traz à frente da banda uma interpretação carregada de emoção, enriquecida por sua experiência no cinema. A discografia da banda, composta por álbuns como "Alegrias Paliativas do Leprosário", "Memorial dos Abismos", "Olho do Mundo", "Paraíso Perdido nos Bolsos" e o mais recente "Atlântico Corpo", é um convite para uma jornada através das vozes e lutas pretas e periféricas.

Além de sua contribuição musical, a banda Pelos também se destacou como co-realizadora de eventos cruciais na cena musical de Belo Horizonte, como o Festival Outrorock e o Faverock, este último representando um importante marco no ativismo cultural, racial e social na capital mineira.

Nesta entrevista, Robert Frank compartilha conosco sua visão sobre música, resistência e o papel da arte na transformação da sociedade.

Como surgiu a ideia de formar a banda Pelos e qual foi o caminho que os levou a se estabelecer como uma das vozes mais proeminentes da música contemporânea de Belo Horizonte?
Em 1997 eu, então com 16 anos, cantava a capella em algumas atividades da escola em que estudava. Rolou algum burburinho disso na época e um cara foi até a porta do colégio me chamar para cantar em uma banda chamada Pelos de Cachorro, com a proposta de que a banda seria autoral e eles já tinham algumas poucas músicas. Eu mal sabia três acordes e tinha uma guitarra com cabos de aço de freio de bicicleta no lugar das cordas e esse cara, chamado Hélio Coelho, me prometeu ensinar a tocar. O nome da banda veio da música Hair of the Dog do Nazareth, banda que os integrantes do projeto inicial gostavam muito.
Robert, você traz uma bagagem significativa do cinema para sua atuação como vocalista. Como essa experiência influencia a dramaticidade e a interpretação emocional presente nas músicas da banda?

 É interessante que a música me levou a praticamente todas as outras artes pelas quais me enveredo e a intenção de seguir estudando essas artes sempre foi de trazer algo a mais para o palco. Desde a estreia da banda, em 1999, já me preocupava criar em cena um universo que não fosse o do dia a dia, com figurinos e maquiagens extremamente carregados e marcantes e uma performance que chocasse as pessoas de alguma forma. Fui um adolescente um tanto reprimido e recluso, então acho que essas manifestações artísticas eram minha forma de expurgar, jogar para fora o tanto que estava guardado. Essa influência segue forte até os dias de hoje, como um ator profissional, já que tenho mais técnicas e recursos interpretativos para, no palco, canalizar a mensagem que a música pede.

 As influências musicais da banda vão além do rock, abrangendo gêneros como soul, funk, jazz, afrobeat e blues. Como vocês combinam essas diferentes influências para criar uma sonoridade única e marcante?

 Creio que foi algo construído ao longo dos anos, principalmente pelo núcleo formado por Heberte, Kim e eu, que estamos há mais tempo juntos. Acho que veio de uma coisa de abraçar as tantas coisas que a gente vem ouvindo todo esse tempo. A entrada do Pablo na bateria contribuiu muito com isso também, já que ele tem um repertório amplo de estudos de ritmos. A entrada Thiago além de reforçar essas experimentações trouxe mais um ponto de vista para escrever letras, enriquecendo ainda mais essa diversidade de linguagem. Sinto que, principalmente com o último disco, tivemos muito desejo de trazer mais do universo sonoro negro mundial. Algo que fosse além do rock. No fim o que fazemos é tudo música negra.

 A discografia da banda apresenta títulos que provocam reflexões profundas sobre questões sociais e raciais. Como vocês abordam esses temas em suas músicas e qual é o impacto que desejam causar no público?

 Títulos sempre foram importantíssimos para nós, sejam dos discos, sejam das músicas. Digamos que é a capa, o cartão de visita que convida para escuta. Alguns títulos são explicitamente colocados para dar um tapa de luva ou tijolada, outros remetem mais a uma reflexão ou dizem algo além do que está escrito e cantado. As letras sempre foram algo que buscamos para criar conexão com o público. Algumas são como afagos, outras não.

 A banda Pelos tem uma longa trajetória de resistência e ativismo cultural, tendo sido protagonista em eventos como o Festival Outrorock e o Faverock. Como vocês veem o papel da música na promoção de mudanças sociais e no combate às desigualdades?

 A música sempre esteve nesse lugar de conexão, principalmente com a juventude, logo tem um papel fundamental na difusão de pensamentos, reflexões… Todos os movimentos que criamos e participamos vieram de um desejo de mudança de realidades, principalmente as em que estávamos inseridos. O Faverock por exemplo foi um movimento que me trouxe, antes de qualquer, coisa cidadania. Foi o primeiro momento que senti que podia trazer mudanças para a comunidade em que cresci. As discussões que tivemos ali nos levaram a estudar mais, formar lideranças comunitárias, lideranças políticas e entrar em contato com outros coletivos. Uma das coisas que mais tenho orgulho hoje é termos conquistado a construção dos centros culturais do Aglomerado da Serra (Vila Fátima e Vila Marçola), que defendemos por anos em reuniões de Orçamento Participativo.

 O último álbum da banda, "Atlântico Corpo", foi lançado em 2022. Quais foram as principais inspirações por trás desse trabalho e como ele se diferencia dos álbuns anteriores?

 Atlântico Corpo é sobretudo um álbum de 25 anos da banda, dentro de tudo que esse tempo de existência possa significar. Fizemos algumas imersões isolados em um sítio para compor e discutir o que queríamos com esse trabalho e uma das necessidades mais presentes era a de dizer quem somos hoje, nesta cidade, estado e país. Quem somos, o que queremos dizer e para quem.

 Além de expressar questões sociais e raciais, qual é a mensagem principal que a banda Pelos deseja transmitir através de sua música?

 Não sei se saberia dizer isso pela banda, já que somos três letristas olhando para coisas em comum, porém de pontos de vista diferentes. O que posso dizer por mim é que ao compor sempre me senti criando outros mundos habitáveis ou não. Acho que a força da criação de qualquer coisa passa por aí e é bonito pensar no ato de colocar no mundo algo que até então não existia, mas penso que as músicas são sobretudo pequenos lugares que posso habitar ou dar um passeio de vez em quando. Escrever coisas como “Dela em Mim” me faz pensar que essa música é um lugar onde posso me refugiar em momentos específicos da vida. E assim como cada música é um lugar único para mim pode ser pra quem ouve também.

 Como é o processo criativo da banda? Vocês têm alguma abordagem específica para compor e produzir suas músicas?

Na maior parte das vezes a música surge de uma ideia inicial, seja rítmica, harmônica, um riff ou melodia. Essa ideia geralmente é “colocada na roda” para o coletivo tocar e experimentar em cima. Nesse momento entro também com alguma melodia em uma língua que não existe ou solfejos. Com isso vamos achando as possibilidades e construindo uma forma, daí gravamos com celulares e levamos para casa para pensar em mais possibilidades de arranjos e letras. No geral é assim, mas acontece também de alguma música chegar por algum dos integrantes mais adiantada no que diz respeito à base, melodia e letra.

 Vocês têm planos futuros para novos projetos musicais ou para expandir a atuação da banda de alguma forma?

 O que temos em vista é fazermos mais shows fora de BH e de Minas. Mas já cogitamos a possibilidade de um disco novo a longo prazo, o que vai depender de algum financiamento coletivo ou por editais. Além disso queremos explorar mais a possibilidade de criar trilhas sonoras, como fizemos no longa “No Coração do Mundo”, (2019 - direção Gabriel Martins e Maurílio Martins - Filmes de Plástico)

 Como vocês enxergam o futuro da cena musical de Belo Horizonte e qual é o papel da banda Pelos nesse cenário em constante evolução?

 BH sempre foi e vai seguir sendo um grande celeiro musical e vejo um futuro no qual os artistas periféricos protagonizam ainda mais dentro do cenário musical. Creio que nosso papel tem sido até então de resistência no que diz respeito a autenticidade e longevidade criativa. Seguiremos fazendo, antes de qualquer coisa, músicas com as quais nos identificamos e gostamos de ouvir.

Conheça a página da banda clicando aqui.

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