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Interioranas: sons afro-mineiros e poesia de resistência

15 de março de 2024
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5m
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Interioranas | Crédito: Luciana Brito
É com imenso prazer que trazemos para o nosso blog uma conversa exclusiva com Luiza da Iola, uma das mentes criativas por trás da banda Interioranas, uma das selecionadas no 1º Prêmio da Música Energia da Cultura. Interioranas é muito mais do que uma simples banda; é um encontro poderoso entre as melodias afro-mineiras de Luiza da Iola, cantautora carmopolitana, e a escritura poética da talentosa Nívea Sabino, poeta novalimense.

Este trabalho é uma odisseia musical composta por cantopoemas* baseados na obra “INTERIORANA”, de Nívea Sabino. Através dessas composições, Interioranas mergulha nas profundezas do ser interior do interior, trazendo à tona histórias individuais, resgatando memórias afetivas e ancestrais que ecoam com poder e emoção.

Além de sua riqueza artística, Interioranas também carrega consigo uma importante missão social. Ao pautar o protagonismo das mulheres negras LGBTQUIAPN+, a banda busca não apenas criar novas formas de expressão e questionamento, mas também de propor reflexões profundas sobre as relações étnico-sociais em nossa sociedade. É uma jornada de autoafirmação, de reivindicação de espaço e de criação de diálogos transformadores que ecoam através de suas produções, criando novas narrativas e ampliando as reflexões sobre identidade e memórias afro-diaspóricas.

Nesta entrevista, vamos nos aprofundar no universo criativo de Luiza da Iola, explorando sua jornada artística, inspirações, desafios e o impacto que Interioranas está causando no cenário musical e social.

 

Parabéns por serem uma das bandas vencedoras do Prêmio da Música Energia da Cultura! Como vocês se sentem com essa conquista?

Saudações a toda a equipe organizadora e idealizadora do Prêmio da Música Energia da Cultura. Para nós, Interioranas, é uma alegria imensa fazer parte desse elenco premiado. Quando a gente pensa em energia, a gente pensa em ngunzo (força vital que todo o ser possui), pensa em axé, pensa em força vital. E quando a gente pensa em cultura, a gente pensa em sementes, no que a gente vem cultivando através da nossa palavra, através da nossa existência, através do nosso aquilombamento. Então, esse é o nosso sentimento: o sentimento de aquilombar um rolê maravilhoso junto de tantas pessoas talentosas e fazendo essa energia da cultura se manter viva e conectada.

Pode nos contar um pouco sobre a história da banda e como vocês se formaram?

Interioranas nasce de encontros diversos e muito potentes. O primeiro deles com a Nívea, na noite belorizontina, quando ainda não sabíamos o que ambas faziam da vida. A gente se encontrava nos rolês de maneira bastante casual e sem muita profundidade. Em 2016, eu estava em um trabalho em parceria com a poeta e compositora Carline Linhares. Em um desses rolês, Carline e Nívea se encontraram e Carline tomou conhecimento do livro de poesia de Nívea, a primeira edição do livro Interiorana Encantada com a musicalidade da poesia, Carline pegou o violão e musicou dois poemas: “De concreto à hipocrisia” e “Sobre os solos férteis da igualdade”. Gravei um áudio e enviei para a Nívea pedindo autorização para usarmos o poema, que mais a frente foi conceituado como cantopoema. E Nívea ficou muito emocionada, muito honrada por receber aquela homenagem.

Em 2016, na celebração de lançamento do clipe do canto-manifesto “Deixa o Erê Viver”, foi a primeira vez que eu e Nívea fizemos juntas “Sobre os solos férteis da igualdade”. E aí, a partir disso, em todos os lugares onde eu ia me apresentar e que Nívea estava presente, eu a convidava para que ela fizesse esse cantopoema comigo. No final de 2017, musiquei outros dois poemas dela – “Na saga das Evaristo” e “Nos braços de Oyá”.

No final de 2018, convidei as percussionistas Jhay Dias (Swing Safado), Laiza Lamara (Tapa de Minas) e Vicki Ori (Bloco Kizomba), e o guitarrista Gustavo Cunha (Iconili) e o baixista Miguel Javaral (ü). As faixas foram produzidas por Henrique Staino (Fusile; Graveola).

Com essa configuração criamos os arranjos para esses e outros poemas que foram surgindo durante o processo. No início de 2019, em parceria com o produtor musical Henrique Staino, gravamos o EP Interioranas. Começamos a circular em agosto do mesmo ano, com o show Experiência.

Qual foi a inspiração por trás da música que vocês inscreveram no prêmio?

A inspiração dos cantopoemas vem da obra Interiorana, vem da poesia de Nívea Sabino. Eu sinto que a Nívea diz coisas que eu gostaria de dizer e não consigo, então a mensagem já vem pronta para as melodias que nascem para os poemas. Já acordei com poemas na cabeça, já abri o livro e vi um poema que me chamou atenção. Então é daí que vem a inspiração. Da existência do pensamento e do sentido dessa poeta que se encontra com o meu sentir. Ancestralmente, eu penso que o nosso encontro é muito especial, de forças complementares. Num determinado tempo histórico, a música caminhava junto com a poesia. Depois de um tempo a poesia começou a caminhar apenas com a palavra e, como Nívea diz, Interioranas é esse reencontro da música com a poesia. E é daí que vem a inspiração. E esse conceito de cantopoemas e oralituras** vem justamente dos cantos afro, dos cantos de trabalho, dos cantos do reinado, dos cantos de terreiro. Em que a métrica extrapola esse lugar em que a palavra encontra uma melodia própria e se encaixa da sua maneira nos movimentos. Então eu sinto que é isso, a inspiração vem da nossa própria ancestralidade e da nossa maneira de ver, sentir e perceber o mundo.

Quais são as principais influências musicais que moldaram o som da banda?

As influências sonoras musicais vêm justamente dos cantos sagrados, quando a gente pensou nessa tríade de percussão, remetendo aos três tambores sagrados - "rum", "rumpi" e "le". Então, tem muito a ver com as matrizes africanas. A música que vem do terreiro, a música que vem do reinado, da marujada. A influência da música africana de uma maneira geral. Na América, a gente bebe de todas essas fontes quando pensamos nas referências que a gente quer construir para o som, desde os ritmos, do candomblé, das festas tradicionais até mesmo outras sonoridades, né, como o samba, como o blues, como o jazz. A gente bebe da fonte das Áfricas e da diáspora africana

O que significa para vocês receber esse reconhecimento e prêmio em relação ao trabalho que desenvolvem como artistas?

Tanto eu quanto Nívea estamos aí nessa travessia artística há muitos anos. Eu há mais de 20 anos, Nívea não sei exatamente quanto tempo, mas há mais de década. E para gente, ter esse reconhecimento, acessar um prêmio, é fazer história, contar a nossa história de uma maneira bonita, de uma maneira íntegra, de uma maneira cuidadosa, de uma maneira acolhedora. Esse prêmio nos possibilita levar nossa mensagem para outros interiores e interiores mais distantes. Eu imagino que é democratizar o acesso das pessoas que estão nesses interiores e interiorizados também, fazer com que eles possam acessar a nossa mensagem, o nosso canto, o nosso poema, e que a gente possa abraçar muitos interiores a partir dessa oportunidade. Então esse reconhecimento chega para a gente como mais encontros preciosos com todas as pessoas com as quais a gente teve oportunidade de escrever mais um capítulo da nossa história. Eu sou muito grata por isso.

Quais são os planos futuros da banda após essa conquista? Vocês poderiam nos adiantar um pouco sobre quais são os próximos projetos musicais da Interioranas?

É a continuidade. A gente já vem vibrando nessa intenção, desde a nossa participação no Festival Canjerê e agora nessa premiação, que a gente possa retomar e produzir os cantopoemas inéditos, nos quais a gente já tinha começado a trabalhar com os arranjos e tivemos uma pausa forçada nos anos da pandemia. Agora o nosso plano é a produção do Interioranas Parte 2, para ampliarmos o nosso show para uma experiência ainda maior e melhor. Então, no ano de 2024 a gente está vibrando na intenção de produzirmos esse EP. Se não conseguirmos produzir o EP, pelo menos um cantopoema inédito a gente quer lançar ainda esse ano. Estamos aí já promovendo outros encontros com outras parcerias, sobretudo na produção e escrita de projetos, para que possamos acessar recursos e, assim, a gente consiga efetivar o que a estamos visionando. Mas Interioranas quer adentrar o interior, quer se conectar com as comunidades, principalmente as comunidades tradicionais. Esperamos, para além da produção desse segundo EP, que a gente possa circular e levar a nossa mensagem para os interiores do Brasil, da América Latina e da África.

 

*Cantopoema é um conceito de Edimilson Pereira de Almeida. Refere-se à literatura de tradição oral banto-católica do Congado mineiro.

**Oralitura é um conceito de Leda Maria Martins. Refere-se a uma poética da oralidade que necessita do corpo e da voz para se constituir enquanto linguagem.

 

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