Por Daniel Toledo
Diante de um contexto cultural marcado pela maciça presença de conteúdos digitais que se estendem inclusive à vida de crianças e adolescentes, como valorizar, a partir da linguagem audiovisual, produções e culturas locais, resistindo à homogeneização dos nossos imaginários? Como pensar em conteúdos tão lúdicos quanto pedagógicos, que ao mesmo tempo entretenham e sensibilizem seus públicos para saberes relacionados à biologia, à geografia e à história, apresentando ainda a seus pequenos – ou grandes – espectadores a diversidade das linguagens artísticas?
Tendo origem em dois coletivos de naturezas tão distintas quanto originais, mas que detêm como ponto em comum a intenção de ampliar os públicos e as possibilidades da arte, os vídeos de curta duração produzidos pelo grupo musical Pé de Sonho e pelo Instituto Hahaha, ambos sediados em Belo Horizonte, nos indicam alguns caminhos relacionados à criação de imaginários enraizados em nossos espaços e territórios de vida, sem perder de vista os múltiplos ambientes que nos cercam.
Criadas em meio à pandemia, alguns desses vídeos se voltam às nossas próprias casas e atividades diárias, enquanto outros se estendem à vida mais ampla que se passa nas cidades, no campo e em outras paisagens distantes. Para tanto, os coletivos exploram recursos da animação, do videoclipe, da música gravada ao vivo e do filme de curta-metragem, colocando-se ainda em diálogo com uma série de tradições do cinema.
Pé de Sonho
Com três discos lançados até 2022, o grupo musical Pé de Sonho foi fundado em 2014 pelos músicos, compositores e educadores Weber Lopes (1963) e Geovane Sassá (1969). Vindos de carreiras autorais consolidadas, os músicos se uniram em um projeto dedicado a crianças e famílias, combinando inventivas sonoridades a conteúdos voltados a todas as idades. Desde então, o grupo vem se apresentando em teatros, praças e escolas, sensibilizando diferentes públicos em relação a temas tão variados quanto biologia, astronomia, folclore, literatura e diversidade cultural.
A partir de uma combinação entre música e animação, vídeos como "Joaninha" e "Urso" convidam crianças e adultos a observarem com atenção animais bastante distintos, cujos corpos e comportamentos são analisados com graça e leveza. Em "Um dia na fazenda", por outro lado, o grupo chama atenção para as dinâmicas da vida no campo, destacando dimensões concretas e lúdicas da convivência entre os seres humanos e outros animais.
O vídeo "Pé de Sonho e Orquestra de Ouro Preto", por sua vez, traz na íntegra uma apresentação bastante especial do grupo. Realizado no Grande Teatro do Sesc Palladium, o concerto conta com a presença de músicos e musicistas da Orquestra Ouro Preto, que oferecem versões sinfônicas para uma ampla seleção de canções do grupo. Nesse caso, para além de acessar a harmonia de vozes e instrumentos, testemunhamos também a animada performance dos seus vocalistas e instrumentistas, ao longo da qual coros, duetos e outras formações, compostas por adultos, adolescentes e crianças, se alternam em diferentes momentos da apresentação.
Instituto Hahaha
Em atividade desde 2012, o Instituto Hahaha foi criado pelos artistas gestores Elen Couto (1963), Eliseu Custódio (1970) e Gyuliana Duarte (1978) com a intenção de levar a arte da palhaçaria a espaços de saúde e ambientes vulneráveis, incluindo entre seus públicos crianças, adolescentes, adultos, idosos, assim como profissionais da saúde e do cuidado.
Além de intervenções artísticas em hospitais e instituições de acolhimento, entretanto, a organização também oferece cursos de formação em palhaçaria e realiza atividades como oficinas, espetáculos, rodas de conversa e contação de histórias. E mais do que isso, já há algum tempo, o coletivo vem se dedicando também à produção de algumas séries de vídeos curtos que estabelecem diálogo com outras linguagens artísticas e contribuem para a circulação de seus trabalhos entre públicos localizados em outras partes do país – e do mundo.
Entre os vídeos produzidos pelo Instituto Hahaha, se destaca "O que ninguém nunca soube sobre a casa da Dra. Suzette", a partir do qual somos convidados a perceber, com humor e perspicácia, a potência do desenho e as múltiplas possibilidades de interpretação que se escondem atrás de cada linha. "A casa do Doutor Risoto", por sua vez, propõe uma bem-humorada breve investigação sobre os muitos modos de morar que integram a sociedade brasileira, além de uma reflexão em torno das memórias de infância e de suas influências sobre o presente.
Música, cinema e artes visuais também são universos que atravessam, sempre de modo bastante inusitado, outros vídeos produzidos pelo coletivo. "Aula de canto do Doutor Risoto de Carne Moída", por exemplo, propõe alguns exercícios surpreendentes para aprimorar os dotes vocais, tais quais escutar os pássaros ou treinar na janela de casa. Em "A corrida", "Filme romântico" e "O mar está para peixe", por outro lado, a linguagem do vídeo entra em diálogo com o expressionismo, o cinema mudo e o híbrido videoclipe, tendo o humor como fio capaz de tocar a imaginação, a solidão e até mesmo os sonhos.