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Teatro, tecnologia e artesania

Residecia artistica Barbacena - Teatro Ponto de Partida

Por Daniel Toledo


Como pensar um teatro realizado à distância, no qual atores, atrizes e espectadores deixam de compartilhar o mesmo espaço? Que possibilidades se revelam quando telas digitais são tornadas em palcos e ambientes domésticos se convertem em espaços de cena? E que lições podemos, por fim, trazer de volta aos palcos e teatros, depois de passarmos um período tão longo afastados deles?


Fundado em 1980, na cidade mineira de Barbacena, o Grupo Ponto de Partida tem sua origem ligada ao período da Ditadura Militar, quando as artistas Regina Bertola (1955), Ana Alice de Souza (1957), Lourdes Araújo (1958-2015) e Ivanee Bertola (1951-2003) decidiram movimentar – com as próprias mãos – a cena cultural local. Adélia Prado, Guimarães Rosa, Carlos Drummond de Andrade, Jorge Amado e Vinícius de Moraes são alguns dos grandes nomes cujas obras inspiraram os trabalhos criados pelo grupo desde então, levando-o a um amplo reconhecimento em todo o Brasil e também no exterior. 


Em 2020, quando se preparava para celebrar 40 anos de atividades, o Ponto de Partida foi surpreendido pelo isolamento social e pela impossibilidade de realizar apresentações presenciais. Entre os planos do grupo para aquele ano de celebrações, figurava a estreia do espetáculo "Marina, Mari, Ana, Mariana", propondo uma dramaturgia inspirada na obra da escritora ítalo-brasileira Marina Colasanti.      


Ainda em dezembro de 2021, entretanto, o grande público pôde testemunhar a uma versão online do mesmo trabalho, em apresentação única que contou, inclusive, com a presença da escritora entre os integrantes da plateia. Dirigido por Pablo Bertola, o filme curta-metragem "Por trás da tela" nos convida a acompanhar um dos últimos ensaios realizados antes daquela apresentação.  


"Por trás da tela" 


Uma poltrona, uma mesa de canto, um abajur, um arranjo de flores secas – ou talvez flores artificiais. Duas mulheres de vermelho, duas de preto, cada uma em sua casa, diante de uma tela de computador. Outra mulher, essa com cabelos brancos, também está aparentemente sozinha e tem à sua frente uma outra tela. 


Fazendo-nos lembrar dos tempos de confinamento, essas são algumas das imagens que abrem o filme "Por trás da tela", ao longo do qual a diretora Regina Bertola orienta, desde a cidade de Dresden, na Alemanha, uma equipe formada por quatro atrizes, alguns técnicos de "palco" e um coreógrafo – todos e todas trabalhando à distância.  


Dentre os procedimentos a que somos apresentados, chama atenção o uso de uma série de máscaras de papel entre as câmeras e as atrizes, frequentemente convocadas a minuciosos exercícios de enquadramento. A partir desses exercícios, somos convocados a observar corpos e cenários que se movimentam entre diferentes recortes e perspectivas, como quem espia o vizinho pela janela e com ele, quem sabe, estabelece algum contato. 


Para além das atuações em si, ainda somos convocados a perceber um complexo trabalho de contrarregragem executado pelas atrizes, que a cada troca de cena reposicionam móveis e máscaras, interferindo nas relações de proximidade e distância estabelecidas com o público situado do outro lado da tela. Como se tivéssemos acesso às coxias de um teatro, podemos perceber, apesar de toda a tecnologia envolvida na produção, também as engrenagens e gambiarras que desde sempre conferiram à linguagem um aspecto francamente artesanal.


Em busca de um olhar ampliado


"A gente se acostuma a morar em apartamentos de fundos e a não ter outra vista que não as janelas ao redor. E, porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora". Mesmo sem revelar muito sobre a dramaturgia do espetáculo, o filme "Por trás da tela" nos apresenta trechos de um dos textos mais conhecidos de Marina Colasanti: a crônica "Eu sei, mas não devia", publicada originalmente no Jornal do Brasil, em 1972.  


Nesse sentido, para além de tratar de aspectos relacionados ao teatro digital e seus aspectos de produção, também nos oferece um convite à reflexão sobre diferentes aspectos do confinamento, seja antes, durante ou depois da pandemia. Além de corpos, móveis e objetos domésticos, também testemunhamos relações de vizinhança e diferentes facetas de uma solidão que a todos – e todas – pertence.   


Ao colocar quatro atrizes em cena, embaladas por canções populares de cantoras como Adriana Calcanhotto e Luedji Luna, o filme e o espetáculo parecem dirigir a atenção do público à existência feminina, historicamente associada aos ambientes domésticos e, mais do que isso, também à luta para ultrapassá-los e alcançar outros espaços sociais – como é o caso do próprio teatro. 


Assista o vídeo



Tags: #teatro
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