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Escola em movimento

Grupo GIramundo - Chapeleiro maluco
Por Daniel Toeldo

Seja no campo da educação, da criação artística ou das tecnologias digitais, é difícil precisar a grande medida em que se modificou o mundo ao longo dos últimos 50 anos. Para sobreviver a tamanhas mudanças, é bastante natural que qualquer tipo de organismo vivo – como é o caso de um grupo de teatro – precise também se transformar.

Criado nos últimos meses de 1970 por dois artistas-professores da Escola de Belas Artes da UFMG, Álvaro Apocalypse (1937-2003) e Terezinha Veloso (1936-2003), e uma de suas estudantes, Madu Vivacqua (1945), o grupo Giramundo é hoje reconhecido como uma das principais referências do país no que se refere à criação em teatro de bonecos e de formas animadas.

Como organismo vivo e conectado ao fluxo do tempo, o coletivo atravessou meio século agregando pessoas, experimentando procedimentos e incorporando diferentes linguagens às suas práticas de criação e pesquisa. Para traduzir em ideias e imagens importantes momentos dessa longa trajetória, o grupo lançou em 2022 o documentário "Giramundo 50 anos", que integra a exposição de mesmo nome.

"Giramundo 50 anos"

Dividido em blocos, o documentário tem início com algumas imagens do arquivo do grupo, intercalando cenas de palco, que mostram alguns bonecos em movimento, e outras que, por outro ângulo, exibem a intensa movimentação dos atores e das atrizes nos bastidores. Ainda sobre essas primeiras imagens, já podemos perceber a presença marcante das vozes, da música e dos efeitos sonoros, assim como do humor e da irreverência que ao longo do tempo se afirmaram como elementos importantes em suas criações.

Daí em diante, sob a condução dos atuais diretores do grupo, Marcos Malafaia, Ulisses Tavares e Beatriz Apocalypse, somos convidados a observar a história do Giramundo a partir de distintas perspectivas e experiências. Entre depoimentos, fotografias e imagens de arquivo recentemente recuperadas e catalogadas, passeamos por cinco décadas de muito trabalho.

Além de colocar em debate alguns espetáculos marcantes, como "A Bela Adormecida" (1971), "Cobra Norato" (1998) e "Pinóquio" (2005), o documentário também investiga as relações do grupo com a própria memória, com as dimensões pedagógicas da criação e, há pelo menos duas décadas, com as múltiplas possibilidades do audiovisual.

Para todas as idades

Ao visitarmos o surgimento do grupo, na Belo Horizonte dos anos 1970, ouvimos que naquele tempo o teatro de bonecos ainda era uma atividade bastante associada a escolas e crianças – e que coube ao Giramundo, portanto, uma significativa contribuição para a ampliação desse imaginário na cidade e, mais adiante, também em território nacional. Iniciado como uma "ação entre amigos" de caráter francamente experimental, o trabalho realizado pelo grupo reconheceu, desde a origem, o potencial artístico de cada elemento do teatro de bonecos.

Para além de um grupo de teatro, o Giramundo passa, a certa altura, a ser compreendido como um grande laboratório de experimentação e pesquisa – e a essa dimensão se dedica um dos blocos finais do documentário: "Escola Giramundo". Nos corredores dessa escola, cada novo trabalho serve como ponto de partida a novos desafios e novas soluções, constituindo-se, entre mestres, mestras e aprendizes, um processo de aprendizagem baseado em problemas e projetos reais.

Ultrapassando a camada mais evidente de sua produção, que se refere ao intenso trabalho de desenho, escultura, pintura e manipulação dedicado a cada boneco, a obra nos convida a perceber também todo o labor envolvido em narrações, vozes, cenografias, figurinos e uma série de outras camadas que servem como terreno à investigação do poder expressivo e dramático das figuras escultóricas a que dá vida o Giramundo.

Memórias em público

O documentário nos oferece ainda um convite ao Museu Giramundo, criado em 2001 como um espaço ativo, aberto à pesquisa, à crítica e à reflexão a partir do acervo e do próprio trabalho do grupo. Dentro dessa coleção, figuram desde bonecos criados para os primeiros espetáculos, produzidos na década de 1970, até registros de processos criativos e animações digitais bastante recentes, que colocam a escultura em diálogo com múltiplas tecnologias emergentes.

Também há espaço, tanto no museu quanto no documentário, para memórias relacionadas a frutíferas parcerias realizadas pelo grupo, como no caso do filme "Castelo Rá Tim Bum" (1999), dirigido por Cao Hamburguer, e a minissérie "Hoje é Dia de Maria" (2005), de Luiz Fernando Carvalho. Voltadas a plateias distintas, ambas as obras exploram o convívio entre bonecos criados e manipulados pelo grupo e importantes autores e intérpretes da dramaturgia brasileira, alcançando públicos de todo o país. Ao longo dos depoimentos, os próprios diretores reconhecem tais experiências como oportunidades de grande aprendizado.

"Giramundo 50 anos" reúne importantes capítulos da história de um grupo de teatro que se converteu também em escola e em museu. Um coletivo que produziu dezenas de espetáculos e centenas de bonecos, experimentando ainda a criação em outras formas animadas, tais quais o tradicional teatro de sombras e as projeções mapeadas. Investigando à própria maneira tanto contos de fadas quanto mitos brasileiros, o Giramundo afirma por meio de seu contínuo trabalho a efetiva possibilidade de reunir num mesmo palco diferentes técnicas e ofícios – e, nas mesmas plateias, públicos de muitas idades e sucessivas gerações.

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